terça-feira, junho 28, 2005

Estrela da tarde

Ás vezes apetece-nos utilizar as palavras dos outros:

"Estrela da Tarde"

"Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza

Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!"

José Carlos Ary dos Santos

segunda-feira, junho 27, 2005

Ainda Nova Iorque...

Manhattan vista de Brooklyn.

6th Avenue

Manhattan Bridge, vista da Brooklyn Bridge

quinta-feira, junho 23, 2005

O seu Nome....

Acordou com a preguiça colada no seu corpo. A cama revolta indiciava uma noite agitada. Mais uma vez Morfeu tinha-lhe preparado um festim de pensamentos importunos e más recordações do passado, embrulhados sob a forma de sonhos. A noite dormida mas não descansada, fazia com que a preguiça não desse lugar ao renascimento da vontade de viver. Questionou-se se teria razões para levantar o seu corpo pesado e pouco ágil, retirando-o daquele suave marasmo em que se encontrava, e que apesar de tudo até era bem agradável. Mesmo quando era mais novo e ainda tinha folia para se aventurar no desconhecido, o que mais gostava era de voltar para a cama e repousar o corpo estafado no primeiro colchão que lhe desse abrigo. O torpor matinal era a sensação que mais lhe agradava, suplantando mesmo o prazer proporcionado pelos espamos corporais que qualquer ocasional relação carnal originava. Na verdade, pensando bem, tudo o que havia conquistado enquanto novo, e não fora pouco, dissipara-se rapidamente devido à indolência que sempre fora uma trave mestra do seu carácter. Porquê agora, já velho e cansado, preocupar-se em se levantar e lutar pela vida que, cada vez mais, não fazia qualquer sentido? Ele próprio já esquecera as suas glórias e conquistas de jovem macho desbravando o mundo. Parecia tudo um enredo de má ficção: o herói constantemente derrotado por si próprio.
Vivia agora num condominio de luxo, onde contudo não podia fazer o que lhe aprouvesse. As regras eram rigidas e nem dentro da sua própria casa era Rei e senhor. A administração do condominio, qual personificação Orwelliana tomava conta da vida dos residentes. Para quê então levantar-se e continuar a lutar, se já nem em si mandava?
Todas estas cogitações começaram a pesar sobre as suas pálpebras que irresistivelmente cederam. Virou-se para o outro lado, na cama, e ficou a gozar o prazer de sentir os sentidos desvanecerem-se até à inconsciência total.
Antes de adormecer completamente ainda ouviu uma voz distante a gritar-lhe: "Portugal, vais ficar outra vez na cama?"

segunda-feira, junho 20, 2005

Nova Iorque - Porto de chegada

E de repente senti-me infimamente pequeno. Senti que a escala estava errada, que era protagonista do “Querida, encolhi os miúdos”, sendo eu um dos miúdos. Nova Iorque é imensa. Tudo é grande e em grande: os edifícios, as avenidas, as lojas, a cultura, os museus, os espectáculos, a beleza da arquitectura, a imensidão do mar de gente que se passeia pelas ruas, transformando-se num verdadeiro tsunami quando em hora de ponta.
O primeiro impacto é forte e avassalador. Como quando provamos pela primeira vez um bom vinho tinto e ficamos atordoados, com uma textura na língua desconhecida, sem saber se o arrepio que sentimos foi de prazer ou o organismo a rejeitar algo nunca ingerido. Assim é N.Y. Só quando saímos do táxi que nos traz do aeroporto e passeamos de nariz no ar, para sorvermos a cidade na sua plenitude, é que se começa a perceber que estamos dentro de um organismo vivo e extremamente sedutor. A cidade fala-nos numa tamarelagem babilónica, com todas as línguas a sussurrarem-nos frases imperceptíveis, por bocas de todas as cores e lábios com os mapas de cada recanto do mundo desenhados ao pormenor.Nova Iorque é enfim, uma cidade cosmopolita, na total acepção da palavra. Ou seja, é uma cidade que tem o mundo inteiro contido nela, mas por outro lado é uma cidade que está em todo o mundo. E isto porque, qualquer viajante que por lá passa, seja qual for o seu porto de partida, leva Nova Iorque dentro de si.

segunda-feira, junho 13, 2005

A República Portuguesa

O sol reflecte intensamente na parede espelhada de um prédio da baixa, fazendo-me semicerrar os olhos e deixar de ver onde piso. O desnorte momentâneo faz-me chocar com um corpo amorfo e cansado, que solta acto contínuo, impropérios vários e lamentos imperceptíveis. Peço desculpa e pergunto se se magoou. Responde-me agrestemente com um “Já ninguém respeita os velhos”, e segue, em passo miudinho, arrastado, sem me olhar nos olhos. Sinto pena, por ver aquilo que vou acontecer, por sentir o amargo que já começa a florir, por já me começar a pesar o ar que respiro. “Já ninguém respeita os velhos”. Revejo nele o meu País, queixando-se de tudo e de todos, desrespeitando a sua própria memória. Nunca, na verdade, respeitamos o que nos antecedeu. Penso que faz parte da nossa condição, se calhar de humanos, se calhar de portugueses, desprezar o que está a montante, acreditando que só o agora existe, sem passado que o justifique, sem o caminho que nos contou os passos, sem o berço que nos acolheu.

É assim também a nossa terceira República. O País começou no dia em que esta nasceu. Como por um passe de mágica de um mau ilusionista, oito séculos de história desaparecem, ficando subservientes, na sombra hedonista dos pensadores, políticos, politiqueiros, fazedores de opinião e quejandos, que diariamente nos intoxicam, aos poucos que sabemos ler, nos jornais, blog`s e de uma maneira geral de todos os locais onde ainda não conseguiram expulsar as letras, transformando-as simplesmente em imagens.

Os maiores políticos deste País, já ninguém lhes sabe os nomes, morreram há muitos séculos e tinham uma doença perigosa: eram monárquicos. Ora, todos sabemos que não podemos inquinar a nossa saudável república com esses vírus monárquicos, capazes, se bem explicados, de influenciar as mentes débeis de um povo que deixou de ter no seu código genético o orgulho, a coragem, a perseverança. Enfim, onde está Portugal hoje? Deixei de o ver há muito, não sei novas, o vento nada me diz. Por outro lado, os que se dizem representantes dessa ideia de Portugal, transformaram-se em velhos, amargos, com passo miudinho, resmungando um chorrilho de lamentos imperceptíveis. “Já ninguém respeita os velhos.” Nem eles próprios.