segunda-feira, junho 13, 2005

A República Portuguesa

O sol reflecte intensamente na parede espelhada de um prédio da baixa, fazendo-me semicerrar os olhos e deixar de ver onde piso. O desnorte momentâneo faz-me chocar com um corpo amorfo e cansado, que solta acto contínuo, impropérios vários e lamentos imperceptíveis. Peço desculpa e pergunto se se magoou. Responde-me agrestemente com um “Já ninguém respeita os velhos”, e segue, em passo miudinho, arrastado, sem me olhar nos olhos. Sinto pena, por ver aquilo que vou acontecer, por sentir o amargo que já começa a florir, por já me começar a pesar o ar que respiro. “Já ninguém respeita os velhos”. Revejo nele o meu País, queixando-se de tudo e de todos, desrespeitando a sua própria memória. Nunca, na verdade, respeitamos o que nos antecedeu. Penso que faz parte da nossa condição, se calhar de humanos, se calhar de portugueses, desprezar o que está a montante, acreditando que só o agora existe, sem passado que o justifique, sem o caminho que nos contou os passos, sem o berço que nos acolheu.

É assim também a nossa terceira República. O País começou no dia em que esta nasceu. Como por um passe de mágica de um mau ilusionista, oito séculos de história desaparecem, ficando subservientes, na sombra hedonista dos pensadores, políticos, politiqueiros, fazedores de opinião e quejandos, que diariamente nos intoxicam, aos poucos que sabemos ler, nos jornais, blog`s e de uma maneira geral de todos os locais onde ainda não conseguiram expulsar as letras, transformando-as simplesmente em imagens.

Os maiores políticos deste País, já ninguém lhes sabe os nomes, morreram há muitos séculos e tinham uma doença perigosa: eram monárquicos. Ora, todos sabemos que não podemos inquinar a nossa saudável república com esses vírus monárquicos, capazes, se bem explicados, de influenciar as mentes débeis de um povo que deixou de ter no seu código genético o orgulho, a coragem, a perseverança. Enfim, onde está Portugal hoje? Deixei de o ver há muito, não sei novas, o vento nada me diz. Por outro lado, os que se dizem representantes dessa ideia de Portugal, transformaram-se em velhos, amargos, com passo miudinho, resmungando um chorrilho de lamentos imperceptíveis. “Já ninguém respeita os velhos.” Nem eles próprios.