quarta-feira, julho 06, 2005

Bolero

António Lobo Antunes
"Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto"

"Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada"

5 Comments:

Blogger Maria Heli said...

Eu também me comovo por tudo e por nada. E, agora, comovi-me.

Lobo Antunes é genial. Amo tantas das suas crónicas. Admiro tanto a sua sensibilidade. A sua forma de olhar, de sentir, de dizer.

9:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Está realmente bonito, este poema.

E esta é a primeira vez que venho aqui.
felicidades para o blog

Cenoura

3:21 da tarde  
Blogger Xuinha Foguetão said...

Não conhecia...
Gostei muito!
Beijos.

6:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Experimentem ler o poema do fim para o principio; assim como acaba, tambem comeca.

6:59 da tarde  
Blogger Maria Heli said...

Realmente, Daniel...

9:57 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home