quarta-feira, agosto 31, 2005

Coisas boas

Coisas boas das férias, por ordem perfeitamente aleatória:
  • Odeceixe;
  • Casas do Côro (Marialva - Mêda), podem ver aqui;
  • "Charlie e a fábrica do Chocolate" - simplesmente imperdível;
  • "Hitchhiker`s Guide to the Galaxy" - uma agradável surpresa;
  • o dolce far niente;
  • "Timbuktu" de Paul Auster;
  • a ausência quase completa de televisão;
  • as visitas gastronómicas ao "Sacas" na Zambujeira do Mar e ao "Área Benta" em Trancoso, esta última fabulosa;
  • O Porto a ganhar e o Benfica a perder;
  • o não fazer contas à vida (em férias nunca as faço)...

sexta-feira, agosto 12, 2005

Férias

Dois dias com a net avariada! Grrr!
E agora vou mergulhar na silly season!
Vou de férias!
Volto um dia destes!
Até já!

segunda-feira, agosto 08, 2005

Mar

Pousou a toalha e olhou o mar. As ondas pequenas, constantes, depositavam suavemente um risco de espuma na areia. Corria uma aura refrescante, fazendo com que o seu cabelo longo dançasse ao ritmo da maré. O Sol, já de fim de tarde, acariciava-lha a pele lívida. Despiu-se, caminhou calmamente em direcção ao mar, estancou junto à espuma, retomou lentamente a marcha, estremeceu quando este a abraçou. Deixou-se envolver totalmente por ele. Deixou-se levar nos seus braços, ser acariciada em cada recanto do seu corpo, ser beijada pela sua boca húmida, imensa. Levitou, desceu, subiu, tornou-se una, alcançou um enlevo nunca sentido. Fez durar o momento até ao limite do impossível, e saiu contrariada, com o Sol quase escondido. Limpou-se, vestiu-se, e saiu, caminhando serenamente, enquanto a areia se lhe agarrava aos pés como implorando que não fosse já.
No rosto um sorriso indisfarçavel. Na alma uma nova dimensão descoberta, que quebrava o istmo que a ligava ao corpo.
Afinal, o mar era muito mais do que lhe tinham dito.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Adiamento

Depois de amanhã posto um texto meu. Hoje não. Só depois de amanhã...


"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir..."

Álvaro de Campos

quarta-feira, agosto 03, 2005

Sabes, estou farta...

-Sabes estou farta, - pegou na chávena sorveu o café, fez cara feia, estava torrado - as pessoas hoje são cada vez mais indignas desse nome.
- O que p`raí vai rapariga! - dispara a mais velha, come o croissant, limpa os cantos da boca, suspira - Tão nova e já tão desgostosa dos outros.
- Não tenho motivos para estar contente. - trinca a torrada, paga a conta, sai para a rua a mais nova - Para onde quer que me vire só vejo o que não quero. Ele é o patrão que só sabe engordar enquanto nós fazemos dieta forçada, o meu homem que me chega a casa sempre tarde e a cheirar a vinho e a mais que nem quero saber, o estupor do dinheiro que nem tarde chega...enfim!
- Tu muito te queixas! - acende o cigarro, dá duas passas, atira-o fora, mete à boca uma chiclete. - Se tivesses sofrido metade do que eu sofri erguias as mãos aos céus e estavas era caladinha.
- Ora querem lá ver esta agora! - pede uma chiclete mete-a à boca, faz bolas que explodem sem grande convicção. - Lá porque tu sofreste, isso quer dizer que as minhas dores são mais pequenas do que as tuas? Eu cá sei da minha vida.
-Mas sabes pouco. - Assoa-se estrondosamente, olha para o lenço como a confirmar qualquer suspeita, dobra-o com cuidados pueris - Se desses mais valor ao que tens de bom, sempre esquecias o que tens de mau. Olha eu sempre assim fiz e não me arrependo.
-Isso é o que dizes agora - compra a senha do passe, esfrega o pé, a mais nova - Eu bem vi em que estado andavas quando o Manel se embeiçou pela Lola. Emagreceste num piscar de olhos.
- Mas não me fui totalmente abaixo. Agarrei em mim, fui ao cabeleireiro, começei a vestir-me como deve ser, até a fumar. A ver se ele não voltou para mim. Estás diferente, disse. A Lola foi um engano, disse. Percebi que estava enganado. E voltou e eu ainda ganhei porque fiquei mais magra - ri-se, olha-se na montra, sente-se mais nova, a mais velha.
- Pois eu não consigo, gostava, mas sou pessimista, o que queres vejo assim a realidade, a preto e branco - olha-se no espelho, passa a mão pelos cabelos, sente-se mais velha, a mais nova.
-Bem adeus, até amanhã e cara alegre, que amanhã é outro dia. - acena, entra no autocarro desaparece no horizonte a mais velha.
Tenta o sorriso, que contudo se desvanece num àpice, a mais nova. Decide que amanhã tentará novamente!